Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efectiva
Em termos de liberdade religiosa, as coisas não mudaram muito nos últimos dois anos. Neste país, onde o Budismo Vajrayāna Buddhism (uma variante do Budismo tântrico tibetano) é a religião do Estado, uma das principais questões é o lugar do Budismo e do seu grande clero (cerca de 3.500 monges numa população de 784.000 pessoas). A Constituição de 2008 ilustra as contradições entre o desejo de modernizar o país e as preocupações com a influência estrangeira. Assim, entre os muitos paradoxos da Constituição, o mais importante é que, apesar de ser baseada na cultura e na religião budista e de se declarar “obrigada a defender este património”, a Constituição também estabelece as bases para a separação entre a religião e o Estado. Ao fazê-lo, quebra com séculos de governo civil e religioso. Durante as eleições, a comissão eleitoral defendeu a ideia de que “as religiões devem estar acima do debate político” e os monges não têm direito a votar, mas esta ideia não é de modo nenhum partilhada por todo o clero budista. Entre estes, muitos estão convencidos de que as bases seculares da Constituição do Butão contradizem a influência predominante que acreditam que o Budismo deve exercer no país e no Estado.Na prática, embora a liberdade religiosa esteja consagrada na Constituição, qualquer proselitismo “por parte de uma religião estrangeira” é proibido. O pessoal das religiões não budistas não está autorizado no país e as religiões não budistas devem ser praticadas em privado. No caso do Cristianismo, visto como “a vanguarda do Ocidente”, há uma grande desconfiança. Os Cristãos são vistos como uma ameaça à “identidade nacional butanesa”, que é vista como totalmente identificada com o Budismo. Embora o número de cristãos apenas inclua uns milhares (incluindo uma centena de católicos), há uma proibição de proselitismo, de distribuir Bíblias e de construir igrejas, escolas ou outras instituições cristãs.As proibições contra os não budistas estão directamente ligadas a um desejo de preservar “o património nacional”. Por exemplo, os budistas locais consideram as montanhas como terra sagrada e o Governo proíbe os Cristãos de aí enterrarem os seus mortos. Quem quer que vá contra esta proibição arrisca-se a ter as suas sepulturas profanadas, uma situação que tem causado frequentes escaramuças.Incidentes
O desejo de proteger o património do país não se destina apenas às minorias religiosas. Também parece estar por trás de uma proibição em Janeiro de 2017 de passar um filme no país. O filme em questão, “Hema Hema: Sing Me a Song While I Wait”, foi realizado por Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche. Cidadão do Butão, este lama budista tibetano foi criticado por mostrar personagens com máscaras. De acordo com o Departamento de Cultura do Ministério do Interior e dos Assuntos Culturais, o uso de máscaras religiosas “não corresponde à nossa tradição e cultura”. Para alguns, a proibição tem origem num desejo de não permitir que o património e as tradições culturais do país sejam destabilizados pelo desenvolvimento cultural e económico excessivamente rápidos.Num outro nível, a crise que teve início na década de 90 com a expulsão em massa de lhotshampas, um grupo étnico de origem nepalesa que pratica o Hinduísmo e vive no sul do país, ainda não terminou. Os lhotshampas – descendentes de hindus nepaleses que se estabeleceram no reino do Butão no início do século XX – pagaram um preço na década de 90 pela política governamental de “butanização”. Mais de 100.000 membros deste grupo étnico ficaram apátridas depois de terem sido expulsos, acabando por ir parar a campos de refugiados no Nepal, onde ficaram até 2007, quando as Nações Unidas começaram a instalá-los noutros países. A recusa em considerar esta comunidade como fazendo parte da nação tem levado alguns observadores a verem a democracia estabelecida no Butão “democracia condicional” da qual alguns grupos são excluídos com base na etnia ou na religião.Perspectivas para a liberdade religiosa
Durante algum tempo, as Nações Unidas e um grupo de economistas argumentaram que o Produto Interno Bruto (PIB) não é uma medida que reflicta adequadamente e de maneira justa a riqueza de um país, sobretudo em termos de progresso social. Em vez disso, reforçam a necessidade de medir a “felicidade global” de um país. Esta noção faz eco do amplamente publicitado índice de Felicidade Interna Bruta (FIB) adoptado pelo Governo butanês. Contudo, neste pequeno país dos Himalaias sem costa, o FIB não parece estar a ser realizado em pleno: em 2017, o “Relatório Mundial da Felicidade” produzido pela ONU colocou o Butão em 97.º em 155 países avaliados.O resultado relativamente fraco deste país com pouco menos de 800.000 habitantes no índice internacional de “felicidade” não impede o Butão de se familiarizar com alguma forma de modernidade política. O Governo butanês parece ser impulsionado por um desejo de desenvolver a economia do país de modo a criar empregos para a sua grande população jovem (a idade média global são os 28 anos), ao mesmo tempo que deseja proteger a sociedade de se abrir e desenvolver demasiado depressa. Relativamente à religião, esta atitude está reflectida numa abordagem muito cautelosa a esta abertura. Com a adopção de uma lei das organizações religiosas em 2007, foi criada uma agência especial, a Chhoedey Lhentshog (Comissão das Organizações Religiosas), para lidar com os grupos religiosos. No total, 94 organizações foram reconhecidas oficialmente, mas todas elas são budistas e hindus. A minoria hindu é representada pela Hindu Dharma Samudaya do Butão (a comunidade religiosa hindu do Butão). No caso dos cristãos, embora as autoridades do país digam que não têm objecções a que eles vivam a sua fé no Butão, também esclareceram que as conversões não são bem-vindas. Por isso, as pequenas comunidades cristãs locais adaptaram-se às circunstâncias e deixaram de exigir o reconhecimento oficial das suas instituições.